19 de setembro de 2007

Ícaros

Domingo à tarde, incham as ruas da cidade com magotes de casais desenxabidos. Vêm empanturrar-se nas pastelarias e adquirir os últimos artigos em promoção e da última moda ou simplesmente deambularem como moscas tontas para matarem à paulada o tempo. Depois à frente da TV afundam-se no sofá de couro (ou imitação vulgar).
Entre a garfada de esparguete e o golo de vinho tinto, os espectadores, perante estes tempos inimagináveis de atrocidades, soltam comentários esganiçados de consternação e piedade perante as imagens de famintos ossudos e injustiçados em poças coalhadas de sangue. Criticam o gatuno do árbitro ou o corrupto do político beijoqueiro de velhotas reumáticas e miúdos de bochechas escarlates... A noite do telejornal é assim rica em emoções fortes! E afinal não é do que andamos todos à procura?
Não importa a espécie, todos querem de qualquer modo, se sentirem e VIVEREM. O problema é que se uns se contentam em colher migalhas de uma felicidade amorfa e, nesta existência suada e imprevisível caminham de sorrisos radiantes, atropelados entre os dentes, simultaneamente que os olhinhos luzem nas órbitas por qualquer conquistazinha. Outros estão condenados à ambição desmedida de Ícaro, a de se quererem elevar mais alto independentemente dos gritos agonizantes e fatais que daí possam resultar. Alimenta-os a necessidade de sentirem o sangue a escorrer espesso, ardente e sufocante nas veias, por quererem atingir por um instante o auge.
Ter medo afinal de quê? Não temos já um determinado prazo de validade tatuado em brasa desde a concepção? Se vamos morrer de qualquer modo porque não com a retina engasgada de doces e suculentas imagens e a com a nossa carne exalando histórias prenhes de néctares e perfumes????????????